25.4.10

1808 - uma resenha






Escrito pelo repórter e editor paranaense Laurentino Gomes após anos de investigação jornalística, 1808 é um tijolo de pouco mais de 400 páginas de uma narrativa fácil.

Na verdade essa investida de jornalistas em escrever livros de História virou moda com o gaúcho Eduardo Bueno, no fim dos anos 1990.

Jornalistas normalmente têm coisas que faltam a muitos historiadores de ofício, como tino comercial e escrita simples, com isso as obras com temas históricos que mais vendem são escritas por eles. Uma lição para os tão academicizados historiadores.

O objeto do livro de Gomes é a transferência da família Real portuguesa para o Brasil, os precedentes, o estabelecimento no Rio de Janeiro, e as primeiras conseqüências.

Apesar de estar organizada de maneira cronológica em 29 capítulos, a obra é composta de diversos micro-casos de portugueses da nobreza ou funcionários públicos que vieram com a Corte a acabaram ficando após a realeza se retirar em 1821. Além de boas histórias pontuais de pesquisadores europeus e também de brasileiros comuns. Traz também as conseqüências do abandono de Portugal pela Coroa. Realmente é um livro muito rico em informações desse tipo. E é esse o diferencial de 1808.

“Como uma Rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil” é o subtítulo da obra de Gomes. Sabe-se que os planos de transferência da Corte para o Brasil são bem mais antigos e tem motivações diversas, entre elas a segurança e a prosperidade do Reino. Porém esses planos ganham caráter de urgência com a iminência da invasão de Portugal por Napoleão Bonaparte.

O império napoleônico se expandia e tomava conta da Europa, com exceção apenas da Inglaterra, que tinha sido bloqueada economicamente pelo estrategista francês. Como Portugal rompeu esse bloqueio e continuou comercializando com a ilha britânica, a retaliação veio a galope.

Mas a Coroa portuguesa tinha uma carta na manga com a qual Napoleão Bonaparte não contava: O Brasil.

Em suas memórias escritas pouco antes da morte, quando foi exilado pela Inglaterra no meio do atlântico, na ilha de Santa Helena, Napoleão Bonaparte afirma que D. João VI foi o único que o enganou.

São valiosas as descrições que Gomes faz de Salvador e do Rio de Janeiro antes da chegada da família real. O que é hoje o Brasil, ele descreve como um amontoado de regiões mais ou menos autônomas, sem comércio ou qualquer outra forma de relacionamento, que tinham como pontos de referência apenas o idioma e a Coroa portuguesa, sediada em Lisboa, do outro lado do Oceano Atlântico.

Ainda em Salvador, na escala que a Corte fez antes de aportar no Rio de Janeiro, D. João VI ordenou a criação da primeira escola de Medicina do Brasil, a primeira companhia de seguros, uma fábrica de vidro e outra de pólvora, a cultura e a moagem do trigo e mandou abrir estradas, dentre outras modernizações. Foi uma guinada econômica numa colônia até então sem nenhuma manufatura comercial.

Essas são obras que não viriam de um monarca medroso e bobo, mas sim de um estadista inteligente e capaz de manter a unidade de um país continental.

O pecado de Laurentino Gomes é se deixar levar pela tentação de caricaturar a realeza. Algo que poderia ser evitado em meio a tanta informação interessante que ele dispõe. D. João VI é transformado em um gordo medroso já na capa do livro. Nelson Rodrigues dizia que o brasileiro acha feio o que vê no espelho. É um narciso às avessas. E Laurentino Gomes reproduz esse comportamento, o que não tira o valor de sua obra, mas num país que valoriza de verdade suas origens, Dom João VI seria mostrado como um estrategista brilhante que fez com que a Casa Real de Portugal se tornasse a única da Europa Ocidental, fora a britânica, a permanecer incólume frente à Napoleão Bonaparte.

O Rio de Janeiro era uma roça que foi transformada, num período de uma década, numa cidade relativamente moderna, com a criação do Banco do Brasil, da Academia de Belas Artes, do Jardim Botânico, da Real Biblioteca, hoje Biblioteca Nacional, entre outras coisas. Dom João VI preparou o terreno que o Rio de Janeiro se tornar a metrópole e berço cultural de hoje.

1808 é uma oportunidade de conhecer a história da formação do Brasil enquanto país, numa publicação bem editada e com rica iconografia. É fácil encontrá-lo em bibliotecas públicas.

Se você tem esse livro e já leu, passe pra frente.

Nenhum comentário: