31.3.09

Nem sempre comércio ilegal implica guerra

do Jornal do Brasil

Até que ponto a existência de consumo ilegal de drogas pode ser relacionada com a violência?

Essa pergunta foi feita tanto ao deputado federal Fernando Gabeira, um dos políticos mais identificados com a questão da flexibilização das políticas relacionadas às drogas, quanto a Renato Cinco, sociólogo e ativista político, organizador da Marcha da Maconha.

Para Gabeira, que perdeu a prefeitura do Rio por minúscula margem de diferença para Eduardo Paes (PMDB), a questão se esfarela quando observados outros locais onde o consumo de drogas se faz presente:

– Existe consumo de drogas em Curitiba e em Brasília. Existe consumo de drogas em Washington, em Madri e em Nova York. Mas esses processos não são tão violentos porque não houve uma situação de ocupação territorial armada, como acabou sendo permitida tanto no Rio quanto no México. Logo, não é o ao usuário que se pode atribuir a presença da violência, embora ele, no momento em que compra, esteja dando dinheiro ao tráfico.

Para Cinco, a entrada de figuras como os ex-presidentes FHC, Zedillo e Gaviria no lado pró-descriminalização só salienta que resolver a questão do usuário é uma necessidade social.

– O fato de FHC ter-se posicionado dentro de uma comissão, e não apenas numa opinião pessoal, realça o fato de que a descriminalização não é apenas interesse de quem usa, mas da sociedade. É a sociedade quem paga o preço maior do comércio ilegal, por conta de uma lei moralista. É preciso que se entenda que o Código Penal não tem capacidade de impor certos comportamentos.

Para diminuir esse “preço” que a sociedade paga devido ao comércio ilegal, Cinco recorda que há movimentos que motivam os usuários ao plantio da maconha para consumo pessoal.

– O que acontece é que muitas pessoas acabaram presas por tráfico e assim desistiram. Assim, elas voltam a recorrer à oferta do tráfico.

O deputado Gabeira também lembra que, por analogia, o receptador de carros roubados contribui para a violência. E pergunta, com ironia:

– Mas aí, o que se vai fazer? Vai-se convencer cada receptador a não comprar mais carros roubados? É possível?

Tanto Gabeira quanto Cinco apontam a fragilidade do estado em se manter presente nas comunidades carentes, permitindo que elas sejam administradas pelos bandidos. Mas Cinco vai mais além, entendendo que há um disparate classista e histórico em relação ao usuário.

Ele se refere a Difíceis ganhos fáceis, um livro da pesquisadora Vera Malaguti, do Instituto carioca de Criminologia, que analisa sobre 20 anos de tratamento dispensado ao usuário.

– Enquanto os usuários da classe média e da classe rica eram encaminhados a tratamento médicos, os pobres com um baseado eram levados a três anos na Febem. O que se percebe é que existe uma distorção histórica, que persegue as classes mais baixas.

Segundo Cinco, com o foco nessa perseguição, a fiscalização de fronteiras que recebem armas e drogas e a lavagem de dinheiro que financia maciçamente o tráfico acabam sendo perdidas de vista.

– Fernandinho Beira-Mar foi preso, mas era só mais um favelado. Os verdadeiros barões da droga não são incomodados.

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