20.2.09

Para muito além da erva

18 de Fevereiro de 2009
Luiz Paulo
Marina Lemle
Publicado em Comunidade Segura - Notícias sobre Segurança Humana (http://www.comunidadesegura.org)

Criado em 16/02/2009
Organizações da sociedade civil brasileira estão produzindo uma declaração que pretende ir ainda mais longe do que a declaração lançada semana passada pela Comissão Latino-americana de Drogas e Democracia, em que os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (Brasil), César Gaviria Trujillo (Colômbia) e Ernesto Zedillo (México) defendem a descriminalização dos usuários de maconha.No dia 12 de fevereiro, a ONG Psicotropicus e a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia) promoveram um encontro para discussão e elaboração do documento que será apresentado à Comissão de Drogas e Narcóticos das Nações Unidas (CND) em seu próximo encontro, de 16 a 20 de março, na Áustria.
A declaração das entidades da sociedade civil enfatizará a importância das políticas de redução de danos, do respeito aos direitos humanos pelas leis de drogas de todos os países e de políticas de saúde para usuários de drogas. O ponto da descriminalização das drogas rendeu debates inflamados. O texto será divulgado na primeira semana de março.
A juíza Maria Lucia Karam defendeu firmemente a legalização de todas as drogas. Para a juíza, o proibicionismo é o causador dos maiores riscos e danos, e não as próprias drogas. Segundo ela, a clandestinidade implica na falta de controle de qualidade do que se consome e insere as armas e a violência no âmbito da atividade, para a resolução dos conflitos gerados pela própria ilegalidade.
“É a criminalização que causa danos. É necessária uma ampla reforma das convenções da ONU e nacionais para regularizar a produção, o comércio e o consumo de todos os psicoativos”, afirmou.
A socióloga Julita Lemgruber criticou a política de drogas liderada pelos Estados Unidos, que teria como caso limite o Rio de Janeiro. Para ela, o endurecimento da chamada “guerra contra as drogas” no Rio leva a uma política de extermínio na qual a polícia cada vez mata mais e prende menos.
Julita observou que mesmo com o aumento do número de presos, o tráfico de drogas não diminuiu, ao passo que a população prisional cresceu e vive em condições desumanas e degradantes. “O poder punitivo é doloroso, danoso, violento e não tem contribuído para que os cidadãos brasileiros vivam com mais segurança”, disse Julita.
Comer pelas beiradas
Para Julita, o ideal seria haver um movimento organizado pela legalização de todas as drogas, mas a sociedade brasileira está longe de ter um debate consistente na área. “No momento, temos que comer pelas beiradas”, disse Julita.
Segundo o psicólogo Luiz Paulo Guanabara, da Psicotropicus, há muitos interesses ocultos por trás da política proibicionista, como comércio de armas e lavagem de dinheiro. “A política de drogas hoje no mundo é um conjunto de coisas erradas”, disse.
Guanabara explicou que há um conflito de posições dentro da ONU entre o bloco dos EUA, com o apoio de China, Japão, Tailândia, Suécia e outros países, com ênfase na repressão, e o bloco europeu, supostamente apoiado pela América Latina, com foco em prevenção e redução de danos.
A reunião contou com a presença de uma representante do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), que esclareceu o funcionamento dos órgãos da ONU ligados à questão das drogas. Nara Santos explicou que o Conselho Social e Econômico da ONU é pautado pela sociedade civil, através de organizações cadastradas, que hoje são 3.172 no mundo.
Nara disse também que o UNODC e o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV e Aids (Unaids) vêm fazendo consultas informais sobre redução de danos. Ela destacou uma fala do diretor executivo do Unaids, Michel Sidibe, em 28 de janeiro, defendendo que se trabalhe com, e não contra, os usuários de drogas, para se chegar ao acesso universal, e recomendou acabar com as leis que representem obstáculos ao combate à Aids.
Maconha tem baixa toxidade, mas ecstasy pode matar
De acordo com o perito criminal da Polícia Civil do Rio de Janeiro Bruno Sabino, que faz análises e laudos de materiais apreendidos pela polícia, a repressão ao usuário tem diminuído a partir da vigência da nova lei sobre drogas, de 2006.
Segundo Sabino, a proporção de apreensões de grandes quantidades de drogas tem aumentado em relação às pequenas quantidades. “O policial tem que ter discernimento sobre se está prendendo um usuário ou um traficante, porque o tratamento deve ser diferente desde o início”, disse. As penas para usuários hoje têm três níveis: advertência, prestação de serviços e medida educativa.
Sabino, que é farmacêutico com formação em efeitos toxicológicos, preocupa-se bem mais com o ecstasy e outras drogas sintéticas do que com a maconha. Em suas pesquisas, descobriu que existem inúmeras misturas no mercado.
“Os consumidores de ecstasy não têm a menor idéia do que estão consumindo. Isso aumenta o risco de intoxicação”, disse. O perito explica que a droga tem pouca capacidade de causar dependência, mas se tomado em grande quantidade pode causar a morte.
Sobre a maconha, Sabino afirma que sua toxidade é muito baixa e que ela não parece ser, como dizem, uma “porta de entrada” para outras drogas. “Isso é mito”, afirmou.
Questão de saúde
Julita Lemgruber criticou o governo federal pela falta de uma campanha “decente” de prevenção contra as drogas. “Por que temos coragem de fazer campanhas de prevenção explícitas para o HIV mas não para as drogas?”, questionou.
Para Cristina Pimenta, da Abia, os maiores desafios na área da saúde são a sustentabilidade política e financeira dos programas, tanto de governos quanto de ONGs, a participação dos usuários de drogas no planejamento de programas de prevenção e tratamento e a inclusão social dos usuários em serviços de saúde.
Ela explicou que a vulnerabilidade do usuário de drogas ao HIV é avaliada em três níveis que se interrelacionam: o individual, o social e a programática, isto é, os serviços, bens e insumos oferecidos à população. “O declínio da transmissão de Aids por usuários de drogas através do sangue se deve ao impacto de programas de prevenção e redução de danos”, afirmou.
De acordo com Andrea Domanico, pesquisadora do Grupo Interdisciplinar de Estudo sobre Substâncias Psicoativas, as hepatites virais são o maior problema de saúde entre usuários de drogas no mundo. Os vírus são dez vezes mais eficazes na sua transmissão que o HIV e a desinformação não ajuda na prevenção.
“Quantos mais Ps pior: preto, pobre, prostituto e da periferia tem mais chance de se infectar. A redução de danos está ligada aos direitos humanos”, afirmou.
Luiz Paulo Guanabara criticou o fato de os órgãos do sistema de controle de drogas da ONU não adotarem o novo paradigma da redução de danos e lembrou que até algum tempo atrás o UNODC proibia o uso desse termo. “Mas não é só incluir o nome, é preciso incluir as práticas de redução de danos”, defendeu Guanabara. Entre essas práticas, ele cita a troca de seringas usadas por novas e a substituição da heroína por metadona.

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