19.4.10

As origens místicas da Etiópia



Vou postar alguns textos a respeito da Etiópia, país onde foi coroado Haile-Selassie, fazendo nascer na Jamaica o Rastafarianismo... Tem muita história por trás disso.

A Etiópia é um reino africano antiqüíssimo, sendo citada no velho testamento e descrito ainda no século V a.C. pelo historiador grego Heródoto.

Muita gente tem curiosidade acerca da Etiópia, país até hoje envolto a muito mistério. Sabe-se apenas que lá é muito pobre, nada muito além disso.

A Etiópia é o mais antigo reino cristão do mundo. Este país, que já foi conhecido como Abissínia, foi o primeiro a aceitar o velho testamento, como também o novo, muito antes dos outros países do mundo. Em contrapartida, apenas em 1620, acontece a conversão ao catolicismo do Negusa Negast, o soberano etíope. Isto aconteceu quase um século após a chegada da primeira missão jesuíta na Etiópia, que ocorreu em 1557.

Há uma mística natural envolvendo a Etiópia, país de diversas etnias e idiomas, onde convivem católicos, judeus e muçulmanos. É o único país da África que não foi colonizado, à exceção de cerca de meia década (1935/36 - 1941) com a invasão da Itália, liderada por Mussolini, na época da segunda guerra mundial. O país, desde os primórdios, sempre resistiu a invasões, fossem elas militares, políticas ou religiosas.

A Etiópia é fronteiriça ao norte e a oeste com o Sudão; limita-se ao sul com o Quênia, a nordeste com a Eritréia e a Sudeste com a Somália e a Somália Francesa. É um dos países que fazem parte do chifre africano.

A Etiópia tem algumas características que a diferenciam de outros povos africanos. Possui antiga documentação escrita, uma situação geográfica especial e a influência de uma vasta tradição lendária.

Entre algumas das fontes escritas, estão inscrições dos antigos reis de Axum, algumas na língua gueze (ou geês) e outras em grego. Há também inscrições sul-arábicas com referências às intervenções auximitas no litoral do Iêmen e escritos de geógrafos, historiadores e autores clássicos.

A geografia da Etiópia é muito irregular. Existem altos contrafortes montanhosos e planaltos que apresentam 3 mil metros de altitude média. O relevo faz da região uma imensa fortaleza, praticamente inacessível para os inimigos externos, fato esse que contribui para a manutenção de uma relativa autonomia e originalidade da população.

Por volta dos séculos VII – VI a.C., chegaram árabes do sul. A língua e escrita simita chegou à África por via desses povos. A religião e a técnica da cantaria também foram trazidos por esses povos. Os Habaschat, que, por deformação, deram nome ao país (Abissínia), fundaram o reino Axum.

Os etíopes não gostam da designação Abissínia para seu país. Relacionam esta palavra com o árabe Habesch, que significa algo próximo à mistura, embora ela derive da tribo iemenita sabéia que os colonizou. Engraçado é que a Etiópia é hoje um país multicultural onde convivem muçulmanos, católicos e judeus.

O velho testamento (em I Reis 10) fala de uma antiga monarca etíope, a Rainha de Sabá, que visitou o Rei Salomão em Jerusalém. A tradição diz que esta Rainha, conhecida pelos Etíopes como Rainha Makeda, teve um filho de Salomão de Jerusalém. O fato é que a Rainha governou de 980 a 950 a.C., e seu filho se tornou Menelique I da Etiópia, o primeiro Rei Axum.

O mito da descendência salomônica deve ter surgido em torno do século IX. A crença de que a casa real descendia da de Judá deu ao reino uma estabilidade que a estrutura geográfica da região dificultava.

As origens de Axum vêm das tribos árabes do Iêmen, que chegaram ao corno da África pelo Mar Vermelho, na região do estreito de Babelmândebe e se estabeleceram nas encostas das montanhas do Tigre. Esses árabes pré-muçulmanos encontraram na Etiópia negros de língua hamita, com os quais se misturaram intimamente, produzindo grupos negro-semíticos tão originais que são os etíopes, os galas e os somalis modernos. Mas no sudoeste do país existem povos que estavam isolados desses cruzamentos antigos, provavelmente por causa do aspecto físico da região, onde os planaltos de difícil acesso mantiveram esses povos isolados.

A fundação do reino Axum serviu de base para a construção de um império. Na era ptolomaica e romana, muitos comerciantes gregos trouxeram uma diversidade de bens da civilização helenística para Axum. A língua e a escrita grega dominaram nas classes superiores até o século IV d.C., mas desde o século II d.C. cresceu o poder de Axum, especialmente quando os romanos, em virtude da guerra persa, desviaram o comércio da Ásia para o Mar Vermelho. Ou seja, quem controlasse o Mar Vermelho, controlaria o comércio na região. Quando, no século IV conquistaram o reino de Méroe, o império que se constituía passou a abarcar as ricas terras cultiváveis do norte da Etiópia, o Sudão e a Arábia meridional.

Foi nesta fase que o reino de Axum recebeu o cristianismo e muitas outras crenças . Com o aumento da importância de suas rotas África adentro e de seus portos que faziam o comércio de Suez até a China, que mercadores, marinheiros, artesãos, soldados e escravos foram trazendo para toda região do chifre africano, inclusive os altiplanos etíopes, os cultos às divindades egípcias, greco-romanas, persas e bramânicas, a Jeová, a Mitra e a Buda. Trouxeram também um sincretismo de crenças pagãs, com um monoteísmo indefinido, onde as tradições bíblicas ocupavam um importante lugar.

A disseminação nos meios urbanos e nas classes nobres de um sentir monoteísta (com tingimento helenístico) e das estórias do Antigo Testamento, deve ter facilitado o avanço do cristianismo e contribuído para diluir a oposição a nova crença.

Já devia haver alguns cristãos na Etiópia no começo do século IV. Se não os houvesse, não faria sentido a história que Rufino, um monge romano, ouviu de Edésio, em Tiro. Este contou-lhe que partira, jovem, daquela cidade, em companhia do seu irmão mais velho, Frumêncio, com destino à Índia. Quando o navio em que viajavam foi abastecer-se de água numa enseada do Mar Vermelho, viu-se atacado pelos nativos, que a todos mataram, menos os dois rapazes, vendidos como escravos a Rei de Axum. Ali, ganharam a confiança do soberano, que fez de Edésio copeiro. Enquanto Frumêncio, graças a cultura grega, fez-se tesoureiro e encarregado da correspondência. Com a morte do Rei, sua esposa tornou-se regente e pediu aos dois jovens que ajudassem na administração do pais e na educação dos príncipes. Frumêncio começou a procurar cristãos como eles, entre os mercadores estrangeiros que freqüentavam a corte, para juntos, erguerem igrejas e difundirem a fé. Com a maioridade do príncipe herdeiro, os dois irmãos deixaram a Etiópia. Frumêncio voltando a Alexandria, foi consagrado bispo da Etiópia. Diz a tradição, que, ao retornar, ele batizou o rei e a família real.

Ezana, que subiu ao trono em 325, teria sido o primeiro rei cristão de Axum. Se converteu no fim de seu domínio, pois as primeiras inscrições de seu reinado são dedicadas ao deus Marém. Era ele que o legitimava. Abjurá-lo, sem que antes a corte e o povo tivessem sido convertidos a nova fé era um ato político impensável. Por outro lado, uma vez que a fé cristã ganhara prestígio depois que Constantino a fizera a religião do Império Romano, e lógico supor que o soberano axumita, desejoso de garantir sua posição de poder no sul do Mar Vermelho, ameaçada pelos persas e seus aliados árabes, procurasse não se indispor com os romanos, que favoreciam os cristãos. Daí, sua compreensão e tolerância e quem sabe até sua conversão ao cristianismo.

A adoção oficial do cristianismo pelo rei axumita, só se deu na segunda metade do século V, por um outro rei também chamado Ezana. A fé, porém, continuaria restrita à cidade de Axum e aos centros populacionais ao longo das rotas caravaneiras. A conversão ampla do norte da Etiópia dar-se ia somente com a chegada, no fim do século V ou início do VI, de grupos missionários círios – dos quais os mais famosos foram os Aba Meta, os Justos e os Nove Santos.

Os Nove Santos introduziram na Etiópia a liturgia e a música religiosa e traduziram para o gueze os Livros Sagrados. Os Testamentos tomariam forma de gueze, a partir de originais gregos e sírios, em vez de alexandrinos.

Os missionários sírios espalharam-se pelo norte da Etiópia. Onde haviam o templo dedicado aos deuses tradicionais puseram um santuário cristão, adaptando o antigo edifício ou sobre ele construindo um novo. A vida ascética por eles levada teve profundo impacto junto as populações rurais e lhes apressou a conversão.

Quando, no século VII, o islamismo reduziu os cristãos do norte da África a uma escassa minoria, a Etiópia, na África oriental, foi a única nação que lhe resistiu. Enquanto o avanço do islamismo era limitado pelo mundo mediterrâneo, e por fim também pela costa do Mar Vermelho, o cristianismo etíope-copta desenvolveu-se no planalto etíope. Para este desenvolvimento contribuiu a união da dogmática e da liturgia alexandrino-síria-monofista e do monarquismo alexandrino-cópta (igrejas monolíticas sobre a rocha). Esta época primitiva cristã estendeu-se do século IV até o século XIII.

Pode-se fazer uma panorâmica determinação do quadro religioso etíope, onde mais uma vez a geografia é fundamental. Na região das terras altas, central e nordeste, o cristianismo ortodoxo tinha amplitude entre camponeses e governantes imperiais. Na região das terras baixas, como também no leste e centros comerciais de Harar, predominava o islamismo. Na região norte e noroeste, estavam os falashas, pequenos e dispersos grupos judaicos. A tolerância entre estas religiões não é muito comum na História, principalmente sob uma mesma magistratura imperial, mas pode ser entendida quando analisado o comércio na região, que era feito a longa distâncias num relevo irregular.

O Cristianismo que se estabeleceu na Etiópia por volta do século IV, veio na época em que se estabeleciam uniformidades no sentido da liturgia. Ou seja, o rito, propriamente dito, estava sendo delineado nas mais diferentes formas de cristianismo.

Segundo o livro bíblico dos Atos dos Apóstolos, quando os seguidores de Jesus se reuniam em Jerusalém, o que os unia era a fração do pão, o que não os impedia de continuar indo ao templo para rezar, como bons judeus. Aos poucos, porém, cada comunidade cristã foi criando a sua maneira de rezar, gozando de liberdade para exercer seu culto. O cristianismo primitivo era antiinstitucional.

Há evidências de uniformidade entre diferentes cultos já no século IV, seguidores de distintas liturgias, como o rito latino, em Roma e no ocidente, por exemplo. No oriente próximo, também surgiram ritos locais nas mais variadas regiões do leste europeu ou da Ásia menor. Porém, a vertente ritual ortodoxa que chegou na Etiópia foi a egípcia, ou Copta, que não se limitou ao país do chifre da África, mas existia também, obviamente, no Egito e em outras regiões do norte africano.

Quando surgiram os grandes patriarcados (ou dioceses) do oriente, por volta do século VI, como Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém, seus ritos dominaram as liturgias de menor expressão, fazendo com que algumas das comunidades menores desaparecessem. O rito Copta, da Alexandria, se firmou na Etiópia e nas regiões africanas, embora nos séculos XII e XIII, em conseqüência da importância política de Bizâncio (Constantinopla), o rito bizantino prevaleceu por toda a Igreja oriental, em seus variados patriarcados.

Estudando o surgimento do cristianismo na Etiópia, percebe-se que ele serviu como um elemento unificador num país em que a geografia composta de planaltos dificultava a unicidade, mas por outro lado, manteve uma certa autonomia e originalidade da população.

Mas o aspecto mais interessante é, de fato, a tolerância entre o dogmatismo cristão, judeu e islão defronte às mais variadas formas de sincretismo trazidas por essas pessoas que passavam ou se estabeleciam na Etiópia durante séculos de história.

Para aprofundar o conhecimento sobre a Etiópia e a África, podem ser usadas essas referências:

GIORDANI, Mário Curtis. História da África, 3ª edição, Ed. Vozes, RJ, 1977.
JACOB, Ernst Gerhard. Fundamentos da História de África, Ed. Áster, Lisboa.1966.
KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra I, Publ. Europa-América, 1972
SILVA, Alberto da Costa e. A Enxada e a Lança – A África antes da chegada dos portugueses. Ed. Nova Fronteira, EDUSP, SP.
SCHWAB, Peter. Ethiopia & Haile Selassie. Interim History, New York, 1972.

Nenhum comentário: