21.4.10

RasTafari e Mussolini


“Rei dos Reis. Em 1935 existiu apenas um homem que levantou da obscuridade e elevou seu país de maneira brilhante antes de todos saberem. Mas pela sua astúcia escondida não haveria possibilidade de outra guerra mundial despertando a Liga das Nações para um idealismo a favor da Etiópia. Porém para a Majestade Haile Selassie teria sido um ano diferente. Se por alguma infelicidade a guerra entre Itália e Etiópia se espalhou em uma conflagração mundial, o Poder da Santíssima Trindade, o Rei dos Reis, o Leão de Judá, terá seu lugar na história. Se acabar com a queda de Mussolini e o colapso do fascismo, sua Majestade poderá orgulhar-se de um dos maiores feitos já realizados pelos negros”.

Revista TIME, 1935,
Quando elegeu Haile Selassie o homem do ano.







Escrevi sobre as origens do cristianismo na Etiópia e da própria formação desse país, que tem uma antiga e rica tradição religiosa.
Agora, algumas notas sobre a história recente da Etiópia, a partir do fim do século XIX até a invasão de Mussolini, nos anos 1930, passando pela coroação de Ras Tafari, chamado também Haile Selassie, Rei dos Reis, Leão Conquistador da Tribo de Judá.
É interessante notar que as religiões serviram basicamente para separar as pessoas... Todas elas... Sempre!
Acende e vaisimbora...


O velho testamento fala de uma antiga monarca etíope, a Rainha de Sabá, que visitou o Rei Salomão em Jerusalém. A tradição diz que essa rainha, conhecida pelos etíopes como Rainha Makeda, teve um filho de Salomão. A Rainha de Sabá governou de 980 a 950 a.C. e seu filho se tornou Menelique I da Etiópia.
A monarquia moderna etíope começa com o Imperador Teodoro II, que governou durante parte do século XIX.
Menelique II, que governou de 1889 a 1913 introduziu modernas comunicações para a Etiópia e instituiu o sistema ministerial. Concedeu à França o direito de construir a estrada que liga Addis Ababa, capital da Etiópia, ao Djibouti francês. Morreu em 1913 e foi sucedido pelo seu neto Lij Yasu, que era muçulmano. Sua associação com o islã o distanciou da maioria da população, cristã. Com o apoio de líderes cristãos, Ras (príncipe) Tafari Makonnen de Choa (que mais tarde adotou o nome de trono de Haile Selassie), derrubou Lij Yasu em 1916. A filha de Menelique II, Zauditu (Judite), foi coroada Imperatriz a Tafari se tornou regente e herdeiro do trono.
Lij Tafari Makonnen nasceu em 1892. Seu pai, Ras Makonnen era um primo e conselheiro muito próximo de Menelique II. Tafari foi educado por jesuítas franceses. Quando jovem, aos 14 anos, recebeu de Menelique II o título de Dejazmatch, algo como o Guardião dos Portões. Ele sucedeu o posto de governador de seu pai em Harar em 1910 e no ano seguinte se casou com a bisneta de Menelique II, que morreu em 1962.
Desde 1916, quando se tornou regente, até 1928, Tafari estendeu seu poder, abafando rebeliões e fazendo do exército uma instituição leal a ele. Em 1923 conseguiu a admissão da Etiópia na Liga das Nações e em 1924 emancipou os escravos.
Em 1928, Ras Tafari assumiu o título de Negusa Negast (rei). A Imperatriz Zauditu morreu em 1930 e Tafari foi coroado Imperador em Novembro do mesmo ano, assumindo o título de Haile Selassie (Poder da Santíssima Trindade), Leão Conquistador da Tribo de Judá, Eleito de Deus e Rei dos Reis da Etiópia.
Em 1931 promulgou a primeira constituição etíope, com divisão de poderes. Os primeiros cinco anos de seu governo foram direcionados à centralização política.

Os eventos que culminaram na invasão de 1935 remetem ao século XIX. Uma companhia italiana comprou o porto de Assab no Mar Vermelho etíope de um sultão local em 1870, e o governo italiano adquiriu os interesses da companhia em 1882. Mais tarde, em janeiro de 1885, os italianos se apossaram do porto de Beilul e tomaram o controle do porto de Massawa do Egito em 1885. Forças etíopes e italianas se chocaram em Dogali em 1887.
Pouco antes de Menelique II ser coroado, ele negociou com os italianos o tratado de Ucciali em maio de 1889. Os italianos, que sempre apoiaram Menelique II, ocuparam Asmara como se o monarca etíope tivesse concedido o domínio sobre a política externa etíope aos italianos. O tratado de Ucciali frisava que a Etiópia poderia pedir por conselhos a Itália a esse respeito, mas não concedia direito algum.
O rei Humberto da Itália proclamou, em 1890, por decreto a unificação das possessões italianas no Mar Vermelho, incluindo a Eritréia, região conflituosa e fronteiriça da Etiópia. Receando o que parecia ser uma política expansionista italiana, Menelique II anulou o Tratado de Ucciali em fevereiro de 1893.
Os italianos tomaram Agordat em dezembro de 1893 e Kassula em julho de 1894. Em 1895, forças militares italianas ocuparam o povoado de Aduá, leste de Aksum, no norte etíope. Os italianos ocuparam também Adigrat em março, mas foram forçados a recuar mais tarde em Amba Alagi, em dezembro de 1895 e em Mak´alê em janeiro de 1896.
Talvez a mais importante batalha da história etíope, a batalha de Aduá, aconteceu em março de 1896. O exército etíope, com 70.000 homens sob o comando de Menelique II derrotou uma força italiana de cerca de 17.000 soldados. 12.000 italianos foram mortos e a maioria dos 5.000 restantes foram capturados pelos etíopes. Esse fato foi humilhante para os italianos e resultou no tratado de Addis Ababa, no qual os italianos renunciaram o tratado de Ucciali. Um retrato dessa guerra está reproduzido no encarte do disco Confrontation, de Bob Marley & The Wailers. Não conhece? Procura por Traditional Ethiopian Painting – The Battle of Adowa 1896.
A tensão entre os dois países durou até 1900, quando a Itália tomou o controle de Banadir (depois chamada de Somália italiana).
Em dezembro de 1925 a Inglaterra e a Itália fizeram um acordo que aceitava a esfera de influência italiana na Etiópia. Ras Tafari apelou para a Liga das Nações em 1926 contra a violação dos direitos etíopes. Os dois países europeus declararam que não intencionavam interferir na independência etíope.
Em 1928, Itália e Etiópia assinaram um tratado de 20 anos de amizade. O pacto firmava que nenhum dos dois governos poderia interferir, prejudicar ou ferir a independência do outro. Qualquer disputa ou divergência seria submetida a canais diplomáticos de processos de conciliação.
Mas o tratado não durou tanto. O ditador fascista italiano, Benito Mussolini, tinha para ele que a expansão na África fazia parte dos direitos e do destino do país que governava. Alguns autores consideram que a alteração do olhar de Mussolini para com a África fora para impressionar Hitler. O fato é que na primavera de 1932, Mussolini mandou o Marechal Emílio de Bono para a Eritréia, onde, mais tarde o Marechal diria que era uma missão de inspeção para ver o que deveria ser feito no caso de um ataque a Etiópia. Aparentemente, não houve mais progressos naquele ano.
Em 1934, Mussolini declarou numa referência direta à Etiópia: “É necessário se preparar para a guerra. Não amanhã, mas hoje. Nós estamos nos tornando gradualmente uma nação militar”, e afirmou ainda: “Os objetivos históricos da Itália têm dois nomes, Ásia e África. A Itália é capaz e deve introduzir a África no ciclo do mundo civilizado. Não é questão de conquista territorial... mas de expansão natural que deve ser positiva para a Itália e Abissínia (Etiópia). Ele alertou que a Itália não se precipitaria para não atrapalhar sua expansão política e econômica. É mole?
Para Haile Selassie isso caracterizava um golpe, e o era de fato. O Imperador etíope solicitou de seu embaixador em Roma a reafirmação do tratado de amizade, rompido pela Itália. O resultado foi um pacto firmado em setembro de 1934, que afirmava que a Itália não tinha nenhuma intenção que não fosse amigável acerca do governo etíope.
O pretexto imediato para a invasão de 1935 foi relativamente sem importância no que diz respeito aos inúmeros conflitos ítalo-etíopes. Em dezembro de 1934, em Walwal, na fronteira entre Somália e Etiópia, tropas italianas atacaram tropas etíopes. Suspeitou-se de casus beli, atitude de guerra.
O Premier francês Pierre Laval visitou Mussolini em janeiro de 1935 e cedeu ao ditador fascista a Abissínia. Ele declararia depois que não induziu a guerra e que essa foi feita sob seu protesto.
A Etiópia recorreu à Liga das Nações no mesmo mês. Laval e Anthony Éden, então lorde britânico, removeram o problema de Walwal da agenda do conselho da Liga. O que significava que Itália e Etiópia deveriam entrar em acordo sozinhas. Uma arbitrariedade no sentido de que as forças eram visivelmente desiguais.
A Inglaterra era próxima da Etiópia no que diz respeito à assistência diplomática e não se envolveria na questão. Como a Itália já havia firmado suas forças militares na África, a Inglaterra se posicionou como mediadora, mas com certeza essas forças já estabelecidas tinham o aval inglês e europeu. Eden levou a Mussolini em junho uma proposta etíope de uma faixa do deserto de Ogadin, que foi rejeitada por motivos de insuficiência. Em julho a Bretanha e a França baniram não oficialmente a exportação de armas para o país do oriente africano e alertaram outras nações que se não boicotassem a Etiópia seriam vistos como passíveis de inimizade.
A essa altura do desenrolar dos fatos, o conselho da Liga das Nações se envolveu nas negociações. Inglaterra, França e Itália se encontraram diversas vezes entre julho e agosto e foi inexplicavelmente resolvido em setembro que ninguém teve culpa em Walwal.
A decisão serviu para que a Itália completasse sua mobilização militar na Eritréia e na Somália. A Liga das Nações ofereceu concessões á Etiópia em vão. Mussolini já intencionava descontar a derrota militar que os etíopes aplicaram aos italianos 39 anos antes em Aduá e pretendia também dita termos de paz ao Imperador etíope. “Com a Liga, sem a Liga, contra a Liga, o problema só tem uma solução... vamos ao fronte”.
É fato que a Liga das Nações falhou em seu primeiro teste. A intenção italiana de subjugar a Etiópia era clara. Haile Selassie pediu ajuda repetidas vezes e não foi atendido. . De um desses discursos de Haile Selassie na Liga da Nações (provevelmente em 1935), nasceu a música War, gravada por Bob Marley & The Wailers no disco Positive Vibration.

Em setembro de 1935 Mussolini marcou a data para o início das hostilidades em 3 de outubro.
Em Addis Ababa os conselheiros da nação se reuniram em assembléia no início de outubro no palácio imperial e nas palavras de Haile Selassie pode-se perceber o resultado da reunião: “Não se amedrontem. Eu estarei com vocês na batalha. Não tenham medo da morte. Morrerão por seu país. Marchem para a vitória ou para a morte. Todos devem se armar, levantar e se mover pelo chamado de seu país. O mundo está conosco, Deus está do nosso lado. Marchem pelo Imperador e pelo seu país”.
As tropas militares de Haile Selassie obviamente tentaram conter o fronte italiano, mas suas forças eram insuficientes. O exército etíope tinha cerca de 100.000 homens, mas não era bem equipado em virtude do embargo franco-britânico. A Etiópia dependia da tática de guerrilha.
Novamente a Etiópia recorreu à Liga das Nações e surpreendentemente a Itália foi culpada de ato ilegal de guerra, em assembléia do conselho da Liga, por 50 votos a quatro.
A Liga das Nações reuniu-se então para decidir o que deveria ser feito. Aprovaram-se algumas propostas. Em primeiro lugar, o embargo deveria ser desfeito; em segundo lugar, não seriam mais concedidos créditos estrangeiros à Itália e transações financeiras com esse país seriam canceladas; as importações de produtos italianos seriam praticamente abolidas, à exceção de ouro e prata e as exportações à península itálica seriam diminuídas. Os Estados Unidos, que não eram membros da Liga, continuaram exportando armas à Itália, o que foi de fundamental importância para a consolidação da guerra ítalo-etíope.
A Itália mandou tropas motorizadas, tanques e força aérea para o país do Negus Tafari. O exército etíope era muito mais fraco, mas ofereceu resistência com certa dose de heroísmo. Foi no início da guerra que se aboliu a escravidão no país africano.
Os italianos invadiram o país do norte para o sul e em Abril de 1936, após sete meses de sangrentas batalhas, tomaram Addis Ababa e o Imperador teve que se exilar. Grande parte do país foi dominada por forças italianas, mas a população não deixou de lutar na forma de inúmeras guerrilhas, urbanas ou não, que se consolidaram por todo o país. Os italianos atentaram para a diminuição do poder da Igreja Ortodoxa Etíope e em 1937 mataram centenas de sacerdotes e queimaram templos por todo o país. Movimentos pela libertação nacional passaram a ser mais freqüentes e comunistas de diversas partes do mundo condenaram o imperialismo italiano, inclusive da própria Itália, onde vários protestos contra a guerra passaram a aparecer em Nápoles e na Sicília, por exemplo. Só a união Soviética adotou uma posição firme e bem posicionada sobre a questão, quando afirmou que nem a Liga das Nações nem nenhum país capitalista tinham o direito de interferir na independência etíope.
Nas regiões ocupadas por italianos, adotou-se um sistema colonial e escravista até certo ponto, haja vista que a escravidão era substituída pelo trabalho forçado, como ocorreu na província do Tigre, onde escravos foram mandados diretamente para minas de ouro e para a construção de estradas. A Etiópia seria uma espécie de base militar e estratégica para a guerra que se aproximava, principalmente no que diz respeito a lutas com a Inglaterra pelo controle do Sudão, Egito e a costa do Mar Vermelho. A fome e inúmeras epidemias se alastravam matando etíopes pobres aos milhões.
Haile Selassie retornou ao país em 1941 chegando em maio a Addis Ababa, quando a guerra aparentemente havia terminado. De acordo com o Imperador, cerca de 130.000 italianos foram capturados na ocasião. Em seu discurso após a derrocada italiana, o Negus Tafari condenou e repudiou os italianos pelas atrocidades cometidas.

Assim como a guerra civil espanhola serviu como palco de teste das forças nazistas, a Etiópia foi o primeiro campo de batalha dos fascistas e da Segunda Guerra Mundial.
A Liga das Nações, que não ouviu ou não atendeu aos recorrentes pedidos de ajuda de um país membro, feriu o princípio da segurança coletiva, o que é um fato comum no que diz respeito à forma como é diferenciado o tratamento para com países de elite e países que hoje são tidos como emergentes, ou de terceiro mundo, como é o caso da Etiópia.

E os italianos, que mataram o messias dos cristãos, acabaram por atacar também o messias dos rastafaris...
Sistema da Babilônia!

É difícil achar bibliografia sobre isso em português, mas se você ficar realmente curioso, comenta aí.

Vale a pena também ouvir a música Etiópia, de Edson Gomes. Reggae nacional da mais alta qualidade!

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